por Jorge de Souza | abr 22, 2025
O que este iate está fazendo no jardim desta casa, num condomínio da praia de Boracéia, no litoral norte de São Paulo?
Simples.
Ele é a própria casa!
Uma casa de verdade, feita de tijolos e cimento.
Só que em forma de barco.
Quem teve a ideia e a construiu foi o aposentado Ambrosio Gnacchi, que, junto com a mulher, Magda, vive na sua curiosa casa-barco há mais de 25 anos.
“Eu queria fazer algo diferente, e como não encontrava pedreiros que entendessem o que eu queria fazer, fiz eu mesmo, tijolo por tijolo”, conta Ambrosio.
A casa-barco do casal paulista tem três suítes (ou “camarotes”, como informam as plaquinhas nas portas dos quartos), sala, cozinha e tudo o mais de uma casa convencional — só que com o formato de um barco.
Tem até uma pequena piscina, na frente.
Ou, melhor dizendo, na “proa”.
“Ela tem 300 m2 de área e´75 pés` de comprimento”, brinca o sempre bem-humorado Ambrosio, numa alusão ao padrão utilizado para medir o tamanho dos barcos.
Embora a exótica casa do casal Gnacchi nada tenha de incomum por dentro (exceto as janelas redondas, em forma de escotilhas), de resto tudo lembra um grande barco.
A campainha é um sino, igual ao dos navios.
A chaminé esconde a caixa d´água.
O terraço é um convés, com, inclusive, mastro e luzes de navegação – que eles usam para iluminar a casa à noite.
E a cabine de comando é um bar, decorado com timão, bússola e um painel cheio de reloginhos.
Tem até uma buzina de nevoeiro, que Ambrosio aciona em dias de festa ou quando quer comemorar algo, para desespero dos vizinhos, que, por sorte, são os próprios filhos do casal.
Do lado de fora, o muro imita marolas e duas âncoras sobem e descem sobre um laguinho que contorna as paredes em forma de casco.
Nele, quando acionado, um jato de água direcionado para a parte frontal da casa dá a sensação de ela estar navegando de fato.
É uma diversão só.
E não para por aí.
Na lateral, há uma espécie de guindaste que ergue e baixa um pequeno bote salva-vidas.
“Usamos ele para encher de cerveja e trazer aqui pra cima”, brinca Ambrozio.
Por essas e outras, tem sempre algum curioso na calçada querendo ver a casa por dentro, já que por fora ela é tão fiel a um barco de verdade que nem parece ser de alvenaria.
“Já peguei gente pulando o muro para olhar pela janelinha”, recorda Magda, sempre tão bem-humorada quanto o próprio Ambrosio.
“E quem não seria se morasse numa casa assim?”, pergunta.
Não seria mais fácil ter comprado logo um barco?
“Claro que sim”, responde Ambrosio.
“Mas não teria a menor graça e precisaria ser um iate para oferecer o mesmo espaço e conforto que temos em casa”, explica.
“E ainda ia enferrujar um bocado”, completa, rindo.
O curioso é que o casal não tem, nem nunca teve, um barco de verdade.
“A Magda não gosta de navegar”, diz Ambrosio.
“Ela enjoa e tem medo. Então, fiz um iate que não balança nem afunda”, diverte-se.
Segundo os corretores da região, a casa iate do casal vale cerca de 4 milhões de reais.
“Não é pouco dinheiro, mas é menos do que custa um iate de verdade”, brinca Magda.
“E dá bem menos despesa”, completa o marido, que já sabe o que fará com o dinheiro, se vender a casa.
“Vou construir outra. E agora será um farol!”.
“Ele não tem jeito”, resigna-se Magda, já se preparando para começar tudo de novo.
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“Leiam. É muito bom!”
André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | abr 1, 2025
A camuflagem sempre foi um dos artifícios mais utilizados nas guerras.
De rostos pintados a vestimentas que imitam o solo dos campos de batalha, praticamente todos os beligerantes já utilizaram o truque do mimetismo para enganar o inimigo.
Mas poucos de maneira tão original quanto os tripulantes do pequeno caça-minas holandês Abraham Crijnssen, na Segunda Guerra Mundial.
Em 27 de fevereiro de 1942, quando a frota japonesa atacou e esmagou os Aliados na Batalha do Mar de Java, atual Indonésia, apenas um navio conseguiu fugir a tempo do massacre: o acanhado Abraham Crijnssen.
Mas, com pouco mais de 50 metros de comprimento, baixa velocidade e apenas três canhões para defendê-lo, parecia certo que as suas chances de escapar das buscas aéreas que os aviões japoneses faziam na região eram mínimas.
Foi quando os seus 45 tripulantes tiveram uma ideia que parecia maluca demais para dar certo: revestir o navio inteiro com galhos, arbustos e vegetações, para que, do alto, parecesse uma ilha.
A princípio, o plano parecia fadado ao fracasso, tal as dimensões da empreitada.
Mas como eles não tinham outra alternativa a não ser esperar passivamente pelo bombardeio, por que não tentar?
A primeira providência foi ancorar ao lado de uma ilha deserta, entre as milhares que existem no mar da Indonésia, na época chamada de Índias Orientais Holandesas, e transpor para o navio tudo o que pudesse camuflá-lo – sobretudo folhas e galhos, que também foram usados para transformar o mastro do caça-minas em um simulacro de árvore.
O convés inteiro foi forrado com vegetação, e o pouco que restou à mostra foi pintado de cinza escuro, para parecer pedras.
Grandes galhadas também foram colocadas amuradas afora, até quase tocar a água, encobrindo assim as laterais do casco.
O Abraham Crijnssen ficou totalmente revestido de verde e mais parecia uma moita flutuante.
Já a segunda providência foi passar a navegar apenas à noite, para diminuir as chances de ser avistado pelos aviões japoneses.
Durante a luz do dia, do amanhecer ao entardecer, o navio ficava ancorado o mais próximo possível de alguma ilha, de forma que parecesse a extensão natural dela.
E deu certo.
A camuflagem ficou tão convincente que o Abraham Crijnssen não foi detectado por nenhum avião japones de patrulha, durante as quase duas semanas que levou para sair da área dominada pelos inimigos – embora alguns o tenham sobrevoado mais de uma vez.
E foi assim, de disfarce em disfarce, que o curioso navio-ilha conseguiu sair incólume da zona dominada pelos japoneses e ganhou o mar aberto, rumo a segurança da Austrália.
Em 20 de março daquele ano, ainda camuflado – e quase um mês após a batalha da qual escapara graças ao engenhoso artifício -, o pequeno caça-minas holandês chegou à Austrália, onde foi incorporado à Marinha local e transformado em barco de escolta para comboios, função que desempenhou até o final da guerra.
Mas nem com o fim do conflito se encerrou a história do ardiloso Abraham Crijnssen.
Devolvido à Marinha Holandesa, o ex-caça-minas foi mandado de volta à Indonésia, onde atuou por mais 15 anos como barco de patrulha, tendo visitado, por diversas vezes, o mesmo local na qual passara pela mais radical – e original – mutação que um navio já teve.
Aquela que o transformou em uma peculiar ilha que se movimentava.
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por Jorge de Souza | mar 25, 2025
A previsão do tempo bem que indicava a chegada de fortes ventos e grandes ondas, quando o veleiro Nina Pope, do capitão suíço Benno Frey, de 72 anos, que vinha fazendo a travessia do Atlântico com dois outros tripulantes não tão experientes (o brasileiro Marcelo Osanai e o suíço-americano Balthasar Wyss), partiu da ilha de Tristão da Cunha, para o segundo trecho daquela travessia.
Aquela viagem havia começado no Rio de Janeiro, no dia 27 de fevereiro de 2024, e terminaria na Cidade do Cabo, na África do Sul, onde os auxiliares do comandante desembarcariam, após viverem sua primeira experiência transoceânica.
Mas não havia alternativa para o grupo.
A ilha de Tristão da Cunha, no meio do Atlântico Sul, famosa por sua exposição às intempéries (onde, por isso mesmo, a ancoragem de barcos só é possível, em média, 70 dias por ano) não tinha porto, nem marina, muito menos uma baía abrigada que pudesse servir para manter um veleiro em segurança.
Seria, portanto, melhor partir e enfrentar a tempestade no mar, do que ancorado diante da ilha.
A esperança é que a tormenta arrefecesse nos dias subsequentes.
Mas não foi o que aconteceu.
Logo no dia seguinte, os ventos aumentaram barbaramente, beirando os 45 nós, bem como as ondas, que passaram a ter entre cinco e sete metros de altura.
Mesmo assim, muito possivelmente, nada aconteceria com Nina Pope, um grande e valente veleiro de 55 pés de comprimento, com o qual o capitão Frey vivia viajando pelo mundo, não fosse um infortúnio: naquela noite, em meio a tormenta, uma boia de rede de pesca abandonada com um pedaço de cabo, enroscou na proa do veleiro e arrancou, como uma estilingada, boa parte da grade de proteção do convés, o guarda-mancebo.
E, pelos buraquinhos dos parafusos arrancados no convés, passou a entrar, silenciosamente, água dentro do barco.
Bem mais do que eles pudessem imaginar.
Com o chacoalhar permanente nas ondas, os tripulantes, abrigados na cabine do veleiro, não sentiram a colisão com a boia, muito menos o consequente dano no casco.
Eles só perceberam que havia algo errado quando soou o alarme da bomba de sucção, informando que havia água empoçada no porão do casco.
Dali em diante, não houve tentativa nem esforço que estancasse ou controlasse a inundação, que eles sequer sabiam de onde vinha.
A batalha inútil contra a inundação durou quatro horas.
Até que, no meio da madrugada, quando a água já estava um palmo acima do assoalho da cabine, o capitão Frey decidiu que era preciso abandonar o barco.
Ativou um pedido de socorro, através de equipamentos que informavam a localização do veleiro e permitiam a comunicação, via satélite, com uma central de atendimento, e, junto com os dois tripulantes, começou a preparar o lançamento da balsa salva vidas inflável.
A resposta do serviço de socorro do Centro de Coordenação de Resgate Marítimo da Cidade do Cabo, a quase de 2 500 quilômetros de distância, veio rápida: um navio petroleiro, o Front Pollux, que vinha da Argentina para a África do Sul, estava a dezenas de milhas de distância, mas aceitara resgatar os velejadores – embora, por conta da tormenta, não pudesse dizer quanto tempo levaria para chegar até eles, nem se os encontraria, já que, naquelas condições, com fortes ventos e grandes ondas, era ainda mais difícil achar uma pequena balsa em alto-mar.
O fato de saberem que outras pessoas estavam cientes do iminente naufrágio, e com a localização do sinistro mais ou menos indicada (uma vez que os ventos e as ondas seguiam empurrando o barco semi-afundado), deixou o grupo um pouco menos apreensivo.
Mas era preciso resistir até que o eventual resgate chegasse.
Se é que ele chegaria…
Enquanto os dois tripulantes menos experientes colocavam alguns suprimentos em sacolas plásticas e vestiam coletes salva-vidas equipados com cintos de segurança, já que os ventos faziam o barco balançar furiosamente o tempo todo, o capitão Frey, vestido com o mesmo equipamento, tratou de destravar e disparar a balsa salva-vidas inflável – que voou longe, empurrada pelo vento.
A operação de trazer a balsa de volta para junto ao veleiro, através do seu cabo-guia, levou alguns minutos.
Mas foi bem-sucedida.
O próximo passo era passar para dentro dela, o que, naquelas condições, com o barco subindo e descendo nas ondas, não era nada fácil.
Com o capitão segurando firmemente um segundo cabo, para dar alguma estabilidade a balsa, o americano Balthasar Wyss foi o primeiro a embarcar.
O brasileiro Marcelo Osanai seria o segundo, e se preparava para fazer isso, quando, logo após soltar o seu cinto de segurança, uma onda especialmente alta atingiu o barco e virou a balsa.
Ele se atirou no mar, ajudou o colega a desvirar a balsa, e pulou para dentro dela – mas ambos perderam todas as sacolas com suprimentos que haviam preparado.
Apesar da tensão e das dificuldades, a operação de abandono do veleiro vinha dando certo.
Faltava apenas que o capitão embarcasse.
E foi o que ele se preparou para fazer.
Ainda segurando o cabo da balsa com uma das mãos, Frey se aproximou da borda do casco e baixou a outra mão, a fim de soltar o cinto de segurança, que estava atado ao guarda-mancebo.
Mas não conseguiu alcançar o mosquetão que desataria o cinto da grade, e gritou por ajuda.
Marcelo, então, se atirou novamente no mar, para ajudar.
Mas não deu tempo.
Antes que o brasileiro conseguisse chegar até o capitão, que ainda tentava se livrar do cinto, o veleiro sumiu diante dos seus olhos, e afundou feito uma pedra, levando junto com ele o suíço.
Foi tudo tão rápido, que – como sempre acontece nos naufrágios, quando a velocidade de descida aumenta exponencialmente na medida em que o barco afunda -, num piscar de olhos, o brasileiro viu desaparecer também o mastro do veleiro, que tinha quase 20 metros de altura.
Ele ainda ficou alguns segundos olhando para a água, na esperança de que o capitão emergisse.
Mas nada aconteceu.
O capitão do Nina Pope havia sido vítima do próprio cinto de segurança, feito para protegê-lo.
Uma triste ironia: naquele dia, a “linha da vida”, como os velejadores respeitosamente chamam os cintos de segurança de seus barcos, matara um deles.
Embora aterrorizados pelo que haviam presenciado, os dois sobreviventes tentaram se concentrar na luta pela própria sobrevivência.
A primeira providência foi tentar tirar parte da água que entrara na balsa, quando ela virou no mar.
Usaram para isso um saco plástico do kit de sobrevivência que havia na balsa.
Já a outra providência – tão urgente quanto a primeira – foi acionar os aparelhos pessoais de localização, que havia nos coletes salva-vidas de cada um dois.
Mas, por precaução, acionaram apenas um deles, a fim de poupar bateria, já que não sabiam por quanto tempo ficariam naquela situação.
O dia já havia amanhecido, mas o mar permanecia infernal, com altas ondas e muito vento.
Enxarcados, Marcelo e Balthasar passaram a sofrer também com o frio, e temiam virarem vítimas de hipotermia.
O único consolo é que o localizador continuava funcionando, e isso seria fundamental para o resgate encontrá-los, naquela imensidão de águas turbulentas.
A espera durou cerca de seis horas de pura aflição.
Até que os dois ouviram um apito.
Minutos depois, viram um grande navio se aproximando. Para facilitar a localização, usaram uma lanterna que também havia no kit de sobrevivência da balsa, embora fosse dia claro.
Nem precisaria, porque, em um golpe de sorte (como, depois, admitiria o capitão do navio), a tripulação do petroleiro já havia visto a balsa, sacudindo nas ondas.
Mas ainda era preciso resgatá-los.
E isso não seria nada fácil, porque o vento estava forte, o navio era enorme e precisava ser manobrado com muita cautela, para não atropelar a própria balsa.
A opção do comandante foi estancar o navio a uma boa distância da balsa, usá-lo como uma espécie de barreira entre ela e as ondas, e deixar que o vento gradualmente aproximasse as duas embarcações, manobra que levou cerca de meia hora para ser executada.
Quando a distância diminuiu, a tripulação lançou cabos no mar, para serem agarrados pelos náufragos.
O primeiro cabo foi levado embora pela correnteza.
Mas o segundo conseguiu ser capturado por Marcelo, que o amarrou à balsa.
Lentamente, ela foi sendo puxada até o costado do navio, enquanto uma escada era baixada.
Por meio dela, um tripulante desceu e, após algumas tentativas, ajudou os dois náufragos a subir no petroleiro.
Só então eles respiraram aliviados.
Mas a imagem do capitão Frey afundando junto com o barco não saia da cabeça de Marcelo, e diminuía, um pouco, a alegria que ele sentia por estar vivo.
No navio, o brasileiro e o suíço-americano foram acolhidos pela tripulação do capitão indiano Ravi Yadav, que passou muito tempo conversando com os dois.
Contou que aquele era o primeiro resgate no mar que fazia, em 25 anos de profissão, e confidenciou que o desvio que fizera na rota, e o tempo que levara navegando até chegar à balsa, custara algo em torno de 100 mil dólares em combustível.
Mas que a operação fora autorizada pelos donos e fretadores do navio, dentro dos mais nobres princípios de uma lei não escrita, mas seguida à risca pelos homens de valor: a Lei do Mar, que determina que qualquer pessoa em apuros no mar precisa ser socorrida, custe o que custar.
O brasileiro Marcelo Osanai não conhecia o mandamento número 1 dos bons marinheiros, mas também o praticara, ao tentar ajudar o comandante Frey a se livrar da armadilha com o cinto de segurança.
Ele tentou salvar um capitão, mas acabou sendo salvo por outro.
De certa forma, o destino o recompensara.
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André Cavallari, leitor
por Jorge de Souza | fev 10, 2025
Quando estourou a Corrida do Ouro, na Califórnia, em meados do século 19, a movimentação de pessoas entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos explodiu.
Como ainda não haviam estradas – muito menos automóveis –, e as ferrovias não atravessavam o país inteiro, o principal meio de locomoção de uma costa para a outra eram os navios, quase sempre dois deles na mesma viagem: um para o lado do Oceano Pacífico, outro para o trecho do Atlântico, com uma baldeação no meio, de trem, pelo istmo do Panamá, que tampouco possuía o seu famoso canal naquela época.
Entre 1850 e 1860, muitos navios, quase todos movidos a vapor, com propulsão através de grandes rodas laterais de pás, passaram a operar naquela lucrativa rota, onde, não raro, as passagens eram pagas com parte do ouro extraído das generosas jazidas do norte da Califórnia.
Um desses navios foi o S.S. Central America, que tinha casco de madeira e 280 pés de comprimento, ainda um meio termo entre as escunas e os barcos a motor, como era habitual na época.
No dia 3 de setembro de 1857, abarrotado com 477 passageiros, 101 tripulantes e uma carga pra lá de valiosa, estimada em cerca de 15 toneladas de ouro – que valeriam mais de meio bilhão de dólares, em dinheiro de hoje -, o S.S. Central America partiu do porto panamenho de Colón, com destino a Nova York, na viagem de retorno dos seus agora ricos ocupantes.
Um par de dias depois, o navio fez uma rápida escala no porto de Havana, em Cuba, e, em seguida, tomou a direção da costa leste americana, rumo à Nova York.
Mas jamais chegou lá.
Quando navegava na altura da costa da Carolina do Sul, no dia 9 de setembro, o S.S. Central America foi colhido por um furacão, e começou a fazer água.
A princípio, lentamente.
Mas, a intensidade dos ventos, que nas rajadas beiravam os 100 nós, e o mar em plena convulsão, que arremessava o grande navio de uma onda para outra, feito um brinquedo, logo trataram de aumentar o drama daquela viagem.
Dois dias depois, sem que conseguisse avançar em nenhuma direção, porque a violência do vento não deixava, a caldeira do S.S. Central America começou a falhar, por causa de um vazamento nas vedações do eixo da sua roda de pás.
Por volta do meio-dia, o motor parou de vez de funcionar, e, com isso, também as bombas de sucção, que vinham tratando de expulsar toda a água que entrava no casco, por conta daquela interminável tempestade.
Não restou outra alternativa ao comandante do S.S. Central America, William Herndon, se não hastear a bandeira do navio de cabeça para baixo no mastro (um sinal de socorro, de acordo com os códigos marítimos da época), na esperança de que surgisse algum navio para socorrê-lo, e convocar todos os homens (passageiros incluídos) para retirar, com baldes, parte da água que seguia entrando no casco.
A batalha durou uma noite inteira, mas manteve o navio na superfície, apesar do massacre das ondas.
Na manhã seguinte, dois navios surgiram no horizonte e se aproximaram, para recolher parte dos ocupantes do S.S. Central America, já então semi-submerso.
Todos os botes salva-vidas dos três navios foram lançados ao mar, mas neles só couberam 153 pessoas – quase todas, mulheres e crianças.
Por volta das 20 horas daquela noite, 11 de setembro de 1857, o S.S. Central America mergulhou no Atlântico Norte, selando o destino de 425 almas – entre elas, a do comandante Herndon, que, mais tarde, pela sua bravura e resiliência em meio a um furacão de proporções bíblicas, acabaria virando nome de cidade (Herndon, na Virgínia), e de dois navios da Marinha americana.
Com a morte de 425 das 578 pessoas que havia a bordo, o naufrágio do S.S. Central America foi um dos mais trágicos da história dos Estados Unidos.
E, de longe, o mais valioso, pelo tipo de carga que a esmagadora maioria dos seus passageiros transportava: ouro, muito ouro, extraído das generosas jazidas da Califórnia.
Havia tanto ouro nos porões e cabines do S.S. Central America que o afundamento do navio desencadeou uma crise financeira nos Estados Unidos, conhecida como o “Pânico de 1857”, já que os bancos de Nova York contavam com a entrada de grande parte do precioso metal para financiar seus projetos.
Nunca se soube a quantidade exata de ouro que havia no S.S. Central America: chegou-se a falar em 24 toneladas, a maior parte não declarada pelos passageiros, que teriam escondidos as pepitas em suas próprias cabines.
Mas o que aconteceria mais de 100 anos depois, durante as expedições de resgate nos escombros do naufrágio, deixaria claro que era um número assombroso.
O naufrágio do “Navio do Ouro”, como o S.S. Central America passou a ser chamado, tornou-se muito mais conhecido pela sua preciosa carga do que pelas centenas de vítimas geradas na tragédia.
E, como geralmente acontece quando há algo de muito valioso envolvido em um naufrágio, logo a ganância humana gerou um segundo capítulo na sua história.
A segunda parte da história do S.S. Central America começou em setembro de 1988, quando um ambicioso e inescrupuloso mergulhador, chamado Tommy Thompson, encontrou os restos do navio, a 85 metros de profundidade, na costa da Carolina do Sul, após mais de 30 anos de uma busca obstinada, financiada por um grupo de investidores privados.
O acordo era que os investidores custeariam as despesas das operações de resgate – feitas com uma espécie de protótipo de um minissubmarino operado remotamente, algo praticamente inédito naquela época -, em troca de uma parte do ouro que o mergulhador encontrasse.
Mas não foi o que Thompson fez.
Muito pelo contrário.
Quando finalmente encontrou os despojos do S.S. Central America, Thompson tratou de fugir com o ouro que retirou do navio, deixando os seus financiadores a ver navios.
Eles, então, recorreram aos tribunais americanos e conseguiram que Thompson fosse declarado culpado, por quebra de contrato.
Mas Thompson ignorou isso, se escondeu e passou a ser considerado fugitivo também da justiça.
E assim ficou por 27 anos.
Até que, em 2015, Thompson foi localizado e preso em um hotel da Florida, onde morava com a namorada, sempre pagando todas as suas despesas com dinheiro vivo, a fim de não deixar pistas sobre o seu paradeiro.
Na ocasião, foi apurado que ele mantinha contas bancárias em paraísos fiscais, e que, num deles, nas distantes Ilhas Cook, tinha mais de US$ 4 milhões depositados.
Levado à presença do juiz, Thompson admitiu sua culpa e concordou em pagar uma indenização – no valor de 500 moedas de ouro retiradas do naufrágio -, aos financiadores do projeto
Na ocasião, a justiça autorizou que um interventor fizesse um inventário na antiga empresa de Thompson, a fim de apurar quanto, afinal, ele havia retirado do navio em preciosidades.
O resultado foi impressionante.
Cerca de 150 milhões de dólares em ouro teriam sido resgatados por Thompson dos escombros do S.S. Central America, e uma única barra, pesando mais de 35 quilos, fora vendida por assombrosos US$ 8 milhões, na mais cara transação do gênero até então.
Tais valores levaram algumas empresas seguradoras – que, no passado, haviam pago indenizações às famílias das vítimas do naufrágio – a também recorrerem à justiça, alegando terem direito a um ressarcimento.
Mas o entendimento do juiz foi que todo aquele ouro havia sido “abandonado” pelos interessados no fundo do mar, não cabendo, portanto, direito das seguradoras sobre ele, o que não deixava de representar uma vitória para o foragido Thompson.
Mas nem assim ele concordou em colaborar com a justiça.
Além de mais ouro, as expedições posteriores que exploraram os escombros do S.S. Central America – já então sabido por todos – também encontraram alguns objetos curiosos nos restos do navio.
Entre eles, uma mala de couro, que a despeito de estar há mais de 130 anos debaixo d´água, ainda mantinha suas formas preservadas.
E, dentro dela, até charutos e roupas.
Uma das peças que havia na tal mala – uma centenária calça de brim da marca Levi Strauss, muito usada pelos mineradores nas jazidas da Califórnia na época da Corrida do Ouro -, acabaria sendo considerada o jeans mais antigo do mundo, e, anos mais tarde, vendida em leilão pelo equivalente a meio milhão de reais.
Já Thompson seguiu sem revelar nada: nem o local onde o ouro que retirou do navio estava, nem o paradeiro das moedas que havia concordado em dar como pagamento aos investidores.
Ou seja, não cumpriu o que prometera ao juiz.
Numa segunda audiência, ao ser indagado o motivo pelo qual não indenizara os investidores, como ordenado, Thompson – na época já perto dos 70 anos de idade – alegou “perda de memória, por conta idade avançada”.
E, pelo mesmo motivo, disse ainda não lembrar mais “onde o ouro estava”.
Thompson, então, foi preso por desacato a justiça, mesmo motivo pelo qual segue na cadeia até hoje.
Até hoje, Tommy Thompson prefere continuar preso do que revelar onde está o ouro que ele extraiu do fundo do mar.
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por Jorge de Souza | fev 3, 2025
A segunda metade do século 19 marcou a transição dos barcos a vela para os navios a vapor.
Mas, durante bom tempo, muitas embarcações, receosas de uma mudança tão radical na forma de navegar, usaram os dois sistemas simultaneamente, navegando ora com o vento, ora a motor.
No Brasil, um dos primeiros barcos a incorporar a novidade das caldeiras (sem, no entanto, abrir mão dos mastros) foi a corveta Vital de Oliveira, da Marinha Brasileira.
Ela ainda usava casco de madeira, mas já estava equipada com um engenho auxiliar de propulsão mecânica – uma novidade e tanto na época.
Por esse motivo, em 1879, quando a corporação decidiu empreender aquela que seria a primeira circum-navegação do planeta feita por uma embarcação com bandeira brasileira (oficialmente, não havia sequer registros de que algum cidadão brasileiro já tivesse feito isso), o navio escolhido para aquela viagem foi a Vital de Oliveira, então a melhor e mais moderna embarcação brasileira.
O objetivo da viagem era treinar novos marinheiros e demonstrar o poderio da Marinha do Brasil para o restante do continente sulamericano.
O comando do barco foi entregue ao capitão-de-fragata Julio de Noronha, que selecionou uma tripulação de quase 100 homens para aquela longa viagem, prevista para durar mais de um ano.
Mesmo com o advento do motor, a velocidade média dos barcos continuou sendo praticamente a mesma de antes, porque não era possível levar a bordo um estoque de carvão que permitisse navegar a motor o tempo todo, muito menos na velocidade máxima.
A Vital de Oliveira partiu do porto do Rio de Janeiro em 19 de novembro de 1879, e, ao longo da viagem, foi derrubando fronteiras.
Tornou-se, entre outros feitos, o primeiro navio brasileiro a atravessar o então recém-construído Canal de Suez.
Mas, por outro lado, enfrentou acidentes que quase transformaram aquela travessia na primeira grande tragédia náutica nacional.
No pior deles, seis marinheiros morreram durante a travessia do Pacífico, vítimas de beribéri, uma doença causada pela falta de vitamina B no organismo.
O problema foi causado por um interminável nevoeiro, que acompanhou o navio por metade do percurso e umidificou — e apodreceu — os alimentos a bordo.
No mesmo trecho, outros três marinheiros morreram vítimas de um tipo de acidente bastante corriqueiro naqueles tempos, a queda no mar.
A primeira perda aconteceu na chegada do barco à França, quando um marinheiro caiu do mastro e sumiu no mar.
A escala francesa teve um objetivo também diplomático: embarcar uma missão brasileira que dali seguiria até a China, a fim de tentar convencer os chineses a imigrarem para o Brasil, para substituir a mão de obra escrava, recém-proibida no país, e que acabou não dando em nada.
Da China, a Vital de Oliveira seguiu adiante e chegou ao Japão, já do outro lado do mundo.
Como acontecia em todos os portos por onde passava, a escala do navio brasileiro no Japão foi longa e repletas de cerimônias e homenagens.
Afinal, nunca um barco oficial brasileiro passara por lá.
Mas, em seguida, veio o pior trecho da viagem: a travessia do Pacífico.
E as mortes causadas pela comida apodrecida.
Ao chegar a São Francisco, do outro lado do oceano, outros 16 marinheiros brasileiros tiveram que ser hospitalizados por causa de infecções contraídas na travessia, e por lá ficaram.
O navio, então, seguiu para Acapulco, na costa do México, onde outro susto quase virou uma nova tragédia: um terremoto atingiu a cidade durante a escala do barco na cidade.
Até que, 15 meses depois de ter partido do Brasil, a Vital de Oliveira finalmente retornou ao Rio de Janeiro, trazendo 25 homens a menos na tripulação, mas com um grande feito no currículo: o de ter se tornado o primeiro barco brasileiro a dar uma volta do mundo navegando.
Desde então, o nome Vital de Oliveira nunca mais deixou de ser usado em alguma embarcação da corporação.
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“Leitura rápida, que prende o leitor”.
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